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7 de julho de 2020

TEATRO: UMA RELIGIÃO COM O HOMEM NO CENTRO


"Teatro é a palavra que se faz gente, ou, de outra forma, o verbo que se faz carne.

No princípio era o Medo e o Medo tomou conta do Homem inerme perante a fúria incontrolada dos elementos naturais. E foi, então, que nasceu Deus.

Invocando os favores e a proteção desse Deus-dos-trovões-raios-e-coriscos, o Homem inventou palavras “santas” e gestos rituais que lhe pareceram mais adequados ao momento e do agrado desse tal deus das fúrias. Nessa altura, e sem que de tal se desse conta, o Homem começava já a dar os seus primeiros passos na invenção o Teatro que só veio a acontecer quando o espetáculo da palavra e do ritmo balético dos gestos, em vez de se dirigir aos deuses, começou a dirigir-se aos outros homens.

Foi nesta primevo tempo que o Homem descobriu mais uma trincheira contra o tal Medo e, até, contra a prepotência dos próprios deuses.

E foi desta sorte que, reunidos no mistério do faz de conta, os homens foram “ardendo” na fogueira das suas paixões, ao mesmo tempo que se sentiam mais próximos e solidários uns com os outros, enfrentando tudo e, até, os próprios deuses.

A força do Teatro estava exatamente aí, na capacidade de, através do jogo cénico, transformar as palavras em gente viva e as coisas noutras coisas, tudo ali feito à vista do espetador, de tal forma que, muitas vezes, as coisas e pessoa inventadas tinham mais força que as coisas e pessoas invocadas.

É esta capacidade de transformar a realidade rasteira do dia-a-dia numa outra realidade superior mais verdadeira e universal que aproxima o Teatro do poema e faz do Teatro a vida em carne viva, recreada sobre as tábuas de um palco.

Enfrentando o Medo, o Teatro passou a ser o lugar e o tempo de combate onde a inteligência, a coragem e a paixão se superiorizavam a todos as violências opressoras, vindas elas donde viessem!

A partir daqui, o Teatro passou a ser uma arma de combate-defesa nas mão dos homens, tornando-se um inimigo do Poder anti-humano que só o suportava se ele se pusesse ao seu serviço.

Mas o Teatro não aceitou ser escravo e foi proibido, passando à clandestinidade das catacumbas, onde renasceu escondido sob a própria capa do opressor.

E foi uma demoníaca gargalhada e um descarado manguito contra a falsa fé nesse deus opressor que demonstraram estar o Teatro sempre vivo e escondido na alma do Homem livre. E eis o “milagre” e o mistério do seu renascimento nas curvas e contra curvas do tempo que se enrola!

Mas foi essa grande gargalhada e esse atrevido manguito que empurraram o Teatro para as fogueiras da “santa” Inquisição, onde voltou a arder, agora, na catarse da sua própria perdição…

Nesta linha, o Teatro acabou por assentar praça contra o Homem e, despudoradamente, apareceu desfilando nas grandes paradas hitlerianas e fascistas.

Só que, há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não! Esse alguém foi Bertold Brecht e todos aqueles que, arrancando o Teatro dos desfiles nazis e fascistas, o refizeram como local e tempo onde a beleza da inteligência e da liberdade nos torna mais atentos e exigentes na construção de um mundo mais livre e justo à medida do Homem livre.

O Teatro procura estar, hoje, de novo, ao lado do Povo contra todos aqueles que dele querem fazer um capacho.

Por isso, contra o novo Medo, viva o Teatro livre!

Jaime Gralheiro"

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